segunda-feira, 21 de junho de 2010

A Eterna Noite de 18 de Junho

Numa casa, numa sala, um móvel repleto de livros, histórias do ontem e do amanhã, ficção, realidade, gravuras, colecções que impõem respeito pela sua capa dura e o pormenor do relevo das letras nas suas capas. Livros grandes, livros pequenos. Organizados alfabeticamente em algumas prateleiras, outros lado a lado por pertencerem à mesma colecção, umas prateleiras por temas - filosofia, história, romances, teatro...E há os que são uma família, pertencem todos ao mesmo autor e com orgulho ocupam uma prateleira inteira, uma prateleira de destaque até.
Hoje nesta casa, nesta sala, neste móvel, numa prateleira em específico, havia muita tristeza entre os ocupantes, não havia diferença entre o que os romances, as peças teatrais, os contos, os poemas sentiam. Aquela prateleira hoje parecia mais melancólica do que em todos os outros dias, hoje o pó que diariamente confere algum je ne sais quoi aos livros, hoje só fazia transparecer a tristeza que havia naquelas páginas.
Era dia 18 do quente mês de Junho, o sol que se escondera há poucas horas atrás começou por penetrar janelas e cortinados, alertando que o dia chegara, estava na hora de, na tal sala, os cristais começarem a brilhar mais, os quadros tornarem as suas cores mais vivas, as fotos representarem sem cansaço do tempo que já passou, aquele passado que já parece tão longínquo, a hora das almofadas ficarem mais aconchegantes para os que durante o dia viessem, as plantas erguerem triunfantes as suas flores e folhas, as velas aromáticas reunirem forças para emanar os seus perfumes durante o dia, os móveis que durante a noite acolheram o pó, agora despedem-se dele até à noite e os maravilhosos livros que enchem uma parede chegam até à ponta, até ao limite da prateleira na esperança de serem folheados nem que seja durante cinco minutos, ou até poderem sentir o toque de um dedo suave nas suas lombadas, enquanto alguém procura o que realmente deseja.
Ouve-se o despertador, ela acorda, são sete da manhã. Ele acorda, toma o pequeno almoço enquanto ela passa a ferro e vêem as notícias. A jovem ainda dorme. Eles vêm que hoje o céu vai estar limpo e o sol vai brilhar. Ele toma banho, veste-se e vai trabalhar. Ela continua a lida da casa, ajuda, com um sorriso, os que se tentaram aperaltar com a chegada do sol, limpa os cristais, ajusta as molduras das fotos e dos quadros, acende as velas, ajeita as almofadas, rega as plantas, observa com um olhar de admiração os livros, fala com eles até, retira-lhes os últimos vestígios de pó, faz-lhes cócegas até.
Por volta das onze acorda o ser mais jovem da casa, fala com a mulher, senta-se no sofá, desfruta das almofadas, dos aromas que circundam pela casa, ri-se para os livros também, ajeita mais uma vez os quadros, que lhe parecem tortos, perde-se nas fotos, o brilho dos cristais ferem-lhe os olhos. Foi a primeira a usufruir da preparação meticulosa.
Ao meio-dia e meio ligam a televisão - Notícia de última hora, morreu José Saramago.
Este já não pode ser um dia tão simples, com um céu tão límpido e um sol tão brilhante como a metereologia prometeu. Sobre a pacata casa abate-se um silêncio mórbido. E na prateleira onde tantos livros de um homem tão genial como José Saramago se encontram podem ver-se lágrimas escorrer pelas páginas que hoje de manhã esperavam tudo menos isto, a morte do criador, do pai, de quem lhes deu vida. Mas o pior era não se poderem manifestar...teriam que esperar até à noite, quando a escuridão assola o mundo.
Este foi um dia que não teve 24 horas, mas sim o dobro, o triplo, o quádruplo, o quintuplo...
Como se não bastasse saberem da morte do seu pai desta forma, tiveram que assistir o dia inteiro a bastantes idiotas falar e prestar homenagem a um homem que não conheciam profundamente, não como eles! Que falta de consideração por parte destes humanos que demonstraram mais uma vez o egoísmo que, inevitavelmente, lhes corre nas veias. Os livros precisavam era de paz...
As palavras até amanhã ecoavam pela casa, finalmente...engolidos na escuridão, recuados nos confins da sua prateleira podiam agora falar, mas nada...um silêncio ensurdecedor, irónico não? Alguém tinha que dar o primeiro passo.
CAIM: Bem...eu não queria ser o primeiro a falar, sendo o mais jovem...mas se ninguém se importar.
A CAVERNA: Penso que falo em nome de todos quando peço que continues.
CAIM: Perdemos hoje o nosso pai, quem nos deixou nascer e dizer algo ao mundo. Tanto eu como o ENVAGELHO SEGUNDO JESUS CRISTO causámos muita polémica, talvez desnecessária...mas ambos viemos abanar este mundo tão dominado pela religião. O nosso Saramago era um homem notável por esta capacidade de abominar dogmas...Vai fazer falta ao mundo e a nós, porque quando fui escrito fui mal recebido por uns e bem recebido por outros e vivia assim numa inconstância e depois conheci o meu colega e amigo acima referido e pude descansar finalmente, ele explicou-me tudo...e agora eu, provavelmente, não vou ter a oportunidade de ajudar alguém dos nossos...se é que me entendem (chora), desculpem.
ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA: Vamos ter calma, será que é mesmo assim que Saramago gostava que as suas obras reagissem à sua partida? Nós somos uma extensão dele, o seu legado, não entendem que as suas ideologias permanecerão vivas enquanto nós existirmos?! Ele está aqui, eu sinto-o.
AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE: (A rir-se) Posso confessar-vos uma coisa?
(Todos acenam afirmativamente) Depois de eu vir ao mundo, pensei que não havia mesmo morte, por isso, devo dizer que ainda estou um pouco em estado de choque. Mas estou...feliz, muito feliz até.
A JANGADA DE PEDRA: O quê?! Mas tu estás bem?
AS INTERMITÊNCIAS DA MORTE: Sim. Pensem um pouco, vocês conhecem-me, vocês sabem como o mundo seria se não houvesse morte. É um pouco como se não houvesse visão (lança um olhar cúmplice a ENSAIO SOBRE A CEGUEIRA) caos total! O ser humano era como se se extinguisse, se afundasse na sua loucura!
MEMORIAL DO CONVENTO: Tem lógica...mas porquê ele?! Há biliões de pessoas no mundo e tantos tão maus...
O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS: (meio a grunhir)Lá está...
A VIAGEM DO ELEFANTE: Lá está?
O ANO DA MORTE DE RICARDO REIS: O pai morreu porque estava cansado...dessas pessoas. Ele já fez tudo o que podia, agora chegou a hora de descansar...
ENSAIO SOBRE A LUCIDEZ: Vou ter saudades...
O HOMEM DUPLICADO: Fomos escritos com muito sentimento. Paixão pela vida e pelas suas controvésias...tanta dedicação. Lembro-me dos seus maneirismos enquanto escrevia cada palavra.
TODOS OS NOMES: E lembram-se quando...
(risos)
E os livros aproveitaram esta noite quente para homenagear um grande homem, José Saramago, enquanto um mundo dormia, dezenas de outros mundos confluíam nesta prateleira e riam, choravam, amavam, odiavam. E de novo chegou o dia e agora, gostava de dizer isto com certeza e racionalidade, mas como é impossível fico pela incerteza e irracionalidade então assim, neste mundo desprovido de realidade posso afirmar: "No dia seguinte ninguém morreu"...
Um eterno obrigada a José Saramago (16/11/1922 - 18/06/2010) por me ajudar a crescer

domingo, 13 de junho de 2010

Ode aos sentidos

A cada dia que passa, cada rosto que vislumbro, cada aroma doce que sinto, cada sabor exótico do qual desfruto, cada som melódico que escuto, cada intuição que tenho, sinto uma necessidade absolutamente iminente de fazer um elogio aos sentidos. Pois o que seria da vivência humana sem eles? Quero homenageá-los, prezá-los invés de menosprezá-los, pois nunca se sabe se um dia não terei saudades de um ou mais do que um deles? E, isto agora sei de certeza, quando um dia já não os puder usar? Já será tarde de mais para os engrandecer e colocar num merecido pedestal. Pois aqui deixo um agradecimento, vou falar de seis, cinco são conhecidos e atenção, provados cientificamente, mas como eu acho que a ciência é sobrestimada também vou dar o devido valor ao sexto sentido, há que manter os horizontes expandidos e em contínua expansão...



Vejo-te, sinto-te...


"Acordo para o mundo, no entanto escolho não abrir os olhos de imediato, sinto-me uma criança a desembrulhar um presente de natal, o desejo é prolongar aquele momento o mais tempo possível, retirar o laço, a fita cola tudo feito meticulosamente. Pois para mim, acordar todos os dias e poder ver a claridade do sol matinal, é divinal, é como receber um prenda, uma dádiva.
Cientificamente falando o olho é órgão animal que detecta a luz e transforma-a em impulsos eléctricos proporcionando ao ser o sentido da visão. Bla bla bla, é assim que os meus olhos lêem estas frases. Ver é muito mais do que isso, observar, olhar, é arrebatador, provoca-nos dor, alegria, distingue-nos de simples autómatos! Eu quando olho não tenho um radar que me diz que algo é verde, ou que alguém é do sexo masculino e tem 1,70 metros! Eu vejo as cores, sinto-as, alteram o meu modo de estar, de viver e sentir o mundo!
Não pensem que sou egoísta, limitada, exagerada talvez, ou até fundamentalista que pensa que a vida sem visão não faz sentido! Pelo contrário, viver sem ver não implica viver sem sentir, pode ser uma adversidade, mas para isso é que serve a capacidade de ultrapassar obstáculos, não temos visão temos imaginação, não será um bom substituto? "



Tacteando pelo mundo fora...


"Já gatinha a nossa bebé!
Cortei-me!
Queimei-me!
Meninos sintam a textura desta rocha!
O meu pai deu-me uma estalada!


Ontem demos a mão pela primeira vez!
Qual o tecido mais suave?
Senti o seu cabelo sedoso escorregar-me pelos dedos!
Decorei cada pormenor do seu rosto bem delineado!
Entreguei-me ao prazer carnal, as nossas mãos inseguras que percorriam os nossos corpos nus, desprotegidos, como no dia que chegámos ao mundo..."



Fechem os olhos, oiçam, desfrutem...




Saboreie a Paixão de Chocolate



"Ingredientes

-1 colher (de sopa) de manteiga;

-150 g de nozes cortadas em 4 partes;

-50 g de uvas de passas pretas;

-1 colher (de sopa) de hortelã picada;

-50 ml de rum;

-1 lata de leite condensado;

-1 lata de creme de leite;

-200 g de chocolate meio amargo picado.

Modo de preparação

1º: Numa panela em fogo médio, derreta a manteiga e aqueça as nozes cortadas em quatro partes e as passas de uva preta durante 2 minutos. Junte hortelã picada e mexa. À parte e fora do fogo, coloque o rum numa concha e ateie fogo ao rum, deite o rum na panela e misture até o fogo apagar.

2º: Acrescente o leite condensado e o creme de leite e mexa com uma colher de pau até ferver. Apague o lume e acrescente o chocolate meio amargo picado até formar um creme espesso. Sirva imediatamente com gelado de morango."

Inspiro, expiro, suspiro...

"Considero-me uma pessoa de cheiros, no entanto também sou, infelizmente, uma pessoa distraída, parece que por vezes é necessário alertarem-me para os aromas. O sítio onde já encontrei os melhores aromas foi, não num jardim repleto de flores, não numa perfumaria, nem na praia, nem num rio, nem num restaurante, foi no último sítio que se podia esperar, no metro! Um misto de multiculturalidade num meio de transporte público, cheirava crianças, sentia os perfumes característicos de senhoras de meia idade, os odores notórios de um dia de trabalho, os perfumes pujantes de rapazes adolescentes à espera de se fazerem notar, o cheiro de cabelos, de carteiras, de tabaco, uma multiplicidade simplesmente genial e na qual me perderia um dia inteiro, cerrar os olhos e imaginar histórias de aromas...(inspiro, expiro, suspiro)"

Eu tenho-o e vocês?

Chamam-lhe o sexto sentido feminino, mas eu vejo-o em ambos os sexos.

Todos temos intuições, premonições, algo que nos sussurra ao ouvido acontecimentos próximos, respostas certas.

Coincidência? Sim.

Sempre coincidência? Não. (Risos)

Ergam assim os copos nesta ode aos sentidos, vejam como a espuma da champanhe borbulha nos belos copos do serviço de cristal, toquem nos relevos pormenorizados destes exemplares de uma, também, arte. Oiçam o tilintar dos copos a bater uns nos outros, o tchim, tchim, saboreiem a bebida digna das festas, degustem todos os sabores reunidos em poucos cl de líquido, sintam o aroma característico não só do que bebem, mas do que vos rodeia e por fim confiem quando sentem que alguém vai partir um copo dentro de alguns segundos ;)

terça-feira, 1 de junho de 2010

Pensamentos sem nexo, nem desejo de nexo...

Sinto que tenho algo a dizer, não sei o quê, mas sinto as palavras simplesmente fluírem, a caírem no abismo, percorrerem os meus nervos, até chegarem à extensão do meu corpo, os meus finos dedos.
A minha cabeça é, maior parte das vezes um tumulto de emoções, nada melhor do que uma erupção para fazer uma analogia e como um grande ídolo meu (a minha progenitora) outro dia me disse: "Às vezes queres escrever, mas os teus dedos, o teclado do computador, a caneta, a tinta da caneta, o lápis, a grafite o que quer que seja, simplesmente não te conseguem acompanhar". É verdade e por esta mesma razão há tanto que fica por dizer, pensemos em grandes autores, pensadores que arriscarem despejar o seu conteúdo cerebral, a sua alma algures, o que é que se perdeu? Há um arquivo para o que se queria dizer e não foi dito, ou essas ideias passam imediatamente para as entrelinhas? Será que se relermos "Assim falou Zaratustra", por exemplo, vamos descobrir uma nova teoria completamente alternativa? Um livro dentro de um livro?
Como a minha frágil mente já divagou, nestes dois minutos de processamento de imagens e de ideias e tudo assim do nada.
Sentada, no quarto, rodeada de móveis, peluches, aparelhos electrónicos, filmes, CD's, carteiras, perfumes, livros, roupa, muitas, mas mesmo muitas recordações, nos mais variados formatos...
Olho para a porta entreaberta, a luz cor-de-rosa do meu quarto ilumina a escuridão que assombra o meu corredor. Aquele corredor que supostamente me liga à minha casa, mas agora sinto o corredor aumentar o seu comprimento, a minha casa está a tornar-se a do Tim Burton (risos). O meu quarto é agora a única divisão do universo, isto é o mundo, as pessoas as coisas! Os escassos bonecos que sobreviveram à fase "Sou adolescente, bonecos fora daqui" observam-me, por vezes ainda tento comprovar a minha teoria e de todos os petizes a certa altura da vida, será que quando viramos costas eles vivem, falam, mexem-se?! Então dou por mim a sair porta fora, com as mãos atrás das costas, a assobiar uma cantilena agradável, cerro a porta e numa viragem súbita e inesperada, abro novamente a porta e: APANHEI-VOS! E é então que se ouvem grilos...ai como eles se devem rir por dentro estes mistos de algodão e tecido!
Depois há os roupões por trás da minha porta, agora vocês perguntam qual é agora o trauma desta com roupões? Absolutamente nenhum, só que quando somos crianças gostamos que nos contem histórias e há sempre aquela noite em que não queremos que a história esteja num livro onde toda a gente a possa ler, nem queremos que seja uma já badalada história que já tem todos os pormenores esgotados, queremos uma história inventada por ti mãe/pai!
Ora bem, houve uma noite que a minha mãe me contou a história de dois pastorinhos que andavam com o seu rebanho num monte absolutamente tenebroso! Chovia muito, relâmpagos pareciam cercá-los e houve uma das ovelhinhas que fugiu, os irmãos pastorinhos tentaram persegui-la pois não podiam voltar a casa sem uma ovelha senão os pais não os perdoavam! Ao procurarem a ovelhinha acabaram por perder todo o rebanho, a pequena menina chorava e o irmão tentava reconfortá-la. Acabaram por ir para casa e quando chegaram estranharam, mas os seus pais não estavam lá, aproveitaram a ocasião para se fecharem no quarto a tentar arranjar uma solução e foi então que as peças de roupa estendidas na cama que constituíam os seus pijamas (calças, camisas e roupões) ganharam vida, pareciam vestir alguém, mas na verdade não! Como podem imaginar foi a animação total e por breves momentos esqueceram-se os problemas, uma droga leve esta, a alegria.
Isto é o máximo que me lembro da história, achei absolutamente inovadora esta história dos pijamas dançantes, ainda hoje me rio disso com a minha mãe...
Bem quem diria que iria acabar a noite neste estado de nostalgia puro e duro, a coçar a cabeça e a rir de memórias tão genuínas e tão duradouras, ao que a desarrumação do meu pacato covil de lobinha me leva.
Vês mãe, será assim tão má a desorganização levada ao extremo, continuará a ser má mesmo quando nos proporciona momentos de inspiração e êxtase como este?
Olhem o corredor encurtou muito, já vejo a resto da casa, o mundo já não existe só aqui, a minha cabeça desacelera, o turbilhão acalma, o teclado soa menos vezes e, é então que...shiu