quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Conversas de Balcão

Cheguei aquele ponto da vida no qual, ironicamente ou não, me encontro mais perto da morte e ao olhar de soslaio pelo meu ombro direito, tenho em restrospectiva a minha vida.
Como quando nos filmes as personagens ao estarem perto de ir, não sei bem para onde, têm flashes da sua vida, memórias de 30, 50, 80 anos, condensadas, compactadas, enlatadas em não mais de 10 momentos cruciais. Porém interrogo-me se tenho sequer 10 momentos...
Alberto, 70 anos, aposentado, ex barman num hotel, viúvo, pai, avô, vivo para o estado, para o banco, para o seguro, para o lar, invisivel para a sociedade, morto para os filhos, netos, morto por dentro...
Uma infância banal, sem luxos, com uma bola nos pés e joelhos esfolados, pontapeei pelo mundo até aos catorze, comecei a trabalhar, casei, tive dois filhos, criei-os, a minha esposa faleceu, os filhos que vinham todas as semanas passaram a vir de mês a mês, de ano a ano, nunca.
Quando olho para trás vejo uma vida preenchida por vivências que não são as minhas, como a história de como uma vez me aperaltei todo para um jantar romântico combinado por jornal, um daqueles anúncios "Procura-se HOMEM", fato novo, sapatos engraxados, flor na lapela, cabelo penteado, carro polido ia ser a conquista do ano. Pus a chave no carro e ... nada ... literalmente, pois não tinha combustivel. Apressei-me para o metro, as portas a fechar eu entro mesmo à risca, nada está perdido, até que vejo que o casaco ficou preso na porta, rasgou, saio em mangas de camisa, um carro passa por uma poça de água enlameada e suja-me. Chego ao restaurante e procuro uma rosa vermelha, era o sinal para que nos reconhecessemos, de repente olho e vejo um homem de rosa vermelha! Corro para o bar mais próximo no hotel na rua em frente, peço um whisky duplo e conto as minhas peripécias ao garçon...um espelho, eu, eu, espera, eu não sou este homem, sou o garçon.
Ou como quando me embebedei com os meus amigos na minha festa de solteiro, um bolo gigante, uma suite no hotel, a gravata à volta da cabeça, fomos dançar para o bar, obrigaram-me a fazer uma lapdance a um amigo (risos), paguei uma rodada a todos, até ao homem do bar...um safari cola...que ele não bebeu porque eu não posso beber em serviço...mais uma vez este meu cérebro, este velho companheiro, a memória enganou-me.
Ou como quando descobri que a minha mulher estava grávida, não! Quando subi de posto na empresa, definitivamente não! Onde pedi a minha mulher e casamento, não! Onde paguei a uma puta para subir comigo ao quarto mais barato e fazer-me um broxe! NÃO, NÃO, NÃO...isto não sou eu, nada disto foi meu...quem sou eu então no meio disto tudo?! O corpo sem rosto, a pessoa sem nome, a voz sem som.
"Garçon, mais uma rodada e rapidinho que há aqui gente com sede!" É já senhor, é para já.
"E eu não entendo porque é que ele precisa de outra, eu não lhe chego?! Serei velha de mais?! Sou velha?!" Minha senhora tenho que fechar... "Vocês são todos iguais! TODOS" Minha senhora a sua conta! Espere, a conta!
"Garçon..." "Olhe desculpe..." "É um martini oh rapaz..." "O costume" "É o costume" "O costume" "Já sabe homem, é o costume"
Que se foda o vosso costume! E o meu costume?! E o meu costume?! Han?! E o meu costume? E o meu...costume? Alberto? E o teu costume? E o teu... (Chora)

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